Pesquisa da UFTM com composto de ouro traz progresso nos estudos da farmacologia para Chagas
O projeto de pesquisa do mestrado de Ana Cristina Resende Gonçalves, atualmente aluna de doutorado do Programa de Pós-Graduação Multicêntrico em Química de Minas Gerais (PPGMQ-MG), vinculado à UFTM, foi o desenvolvimento de um novo fármaco antiparasitário para tratamento da doença de Chagas, considerada uma doença tropical negligenciada, encontrada principalmente em áreas endêmicas da América Latina, causada por um parasita conhecido como Trypanosoma cruzi.
O trabalho foi desenvolvido no Instituto de Ciências Exatas Naturais e Educação – Icene, sob orientação do professor Pedro Ivo da Silva Maia, do Departamento de Química, e com parcerias de professores dentro do Núcleo de Desenvolvimento de Compostos Bioativos (NDCBio) da UFTM, bem como com outros grupos de pesquisa da UFU, USP- Ribeirão Preto e São Carlos - IQSC. O projeto de pesquisa foi elaborado com recursos da Fapemig e do CNPq e, mais recentemente, também passou a ser financiado por um projeto Institucional da PROPPG/UFTM.
A doença de Chagas
A doença de Chagas se divide em duas fases: a aguda e a crônica. A fase aguda é inicial, geralmente assintomática e dura cerca de dois meses. “Nesta fase, o parasita se encontra em alta concentração na corrente sanguínea, sendo a infecção controlada por meio de uma resposta do sistema imunológico, entretanto, este não é capaz de prevenir o desenvolvimento da doença. Se não tratada na fase aguda, a mesma entra para a fase crônica, a qual dura toda a vida do indivíduo. Atualmente, há apenas um fármaco para o seu tratamento clínico, usado desde a década de 70 no Brasil, o benzonidazol, o qual apresenta diversos efeitos colaterais e não é ativo na fase crônica da doença”, explicou Pedro Ivo.
A pesquisa
O Núcleo de Desenvolvimento de Compostos Bioativos (NDCBio) da UFTM realiza o design e síntese das novas biomoléculas visando ao desenvolvimento de potenciais fármacos. No trabalho em questão, a aluna preparou compostos contendo íons de platina, paládio e ouro, com uma molécula bioativa conhecida como tiossemicarbazona, visando à obtenção de fármacos com atividade potencializada e que apresentassem atividade na fase crônica da doença. Segundo Ana Cristina, “a combinação de moléculas bioativas com íons metálicos pode gerar um efeito sinérgico e potencializar a atividade biológica”. O desenvolvimento de compostos químicos é uma das etapas iniciais no desenvolvimento de novos fármacos, sendo a identificação do alvo biológico um passo importante no design racional da nova molécula.
Relevância dos resultados
Os resultados mostraram-se promissores para o composto de ouro, o qual apresentou alta seletividade. Houve grande atividade contra células do parasita T. cruzi e apresentou baixa toxicidade para células de mamíferos. De acordo com o professor Pedro, o composto de ouro estudado no trabalho foi mais seletivo que o fármaco padrão, o benzonidazol. Porém, a intenção primordial não é substituir o medicamento e sim obter um fármaco que seja ativo da fase crônica da doença. “O resultado mais relevante deste estudo foi a identificação de um provável mecanismo de ação do complexo estudado, o modo como o composto atua contra o parasita. Ensaios enzimáticos mostraram que o composto interage com a enzima OldYellowEnzyme, específica do Trypanosoma cruzi. Além disso, estudos por docking molecular, realizados em colaboração com o professor Ronaldo Oliveira, do Departamento de Física da UFTM, indicaram que o composto de ouro se liga à enzima próximo ao seu grupo prostético, ou seja, ao seu sítio ativo. Deste modo, a interação com o sítio ativo da enzima pode ativar a pró-droga, gerando espécies nocivas ao parasita. Esta enzima também é alvo de outros fármacos como o benzonidazol”, detalhou.
Trabalhos em andamento
Diante dos resultados expressivos encontrados, o composto de ouro já está sendo testado em modelos animais em parceria com o Laboratório de Parasitologia da Faculdade de Farmácia da USP de Ribeirão Preto. "Os primeiros testes mostraram que o composto de ouro é capaz de atuar na fase aguda da doença, reduzindo a parasitemia (infecção com o parasita do T. cruzi) em camundongos em uma concentração mais baixa que a do benzonidazol. Novos testes estão sendo realizados para verificar se o composto também pode agir na fase crônica da doença", revelou Pedro Ivo.
Outros trabalhos encontram-se em andamento no NDCBio, como o encapsulamento dos compostos mais promissores em nanopartículas, estudos de moléculas luminescentes e de atividade catalítica.
Os resultados do trabalho de Ana Cristina foram publicados na revista internacional European Journal of Medicinal Chemistry, importante revista na área de Química Medicinal, Qualis A. Acesse o artigo aqui.
Fotos: Edmundo Gomide/UFTM
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